Alucinação coletiva? Válvula de escape para tratar questões íntimas? Forma de lidar com o estresse do cotidiano? Distopia dos anos 2025? Ainda não se descobriu o motivo, mas a quantidade de pessoas com carreira consolidada e vida financeiramente equilibrada que têm “adotado” bebês reborn (bonecos com uma impressionante aparência humana) chama a atenção cada vez mais no Brasil e no mundo. E leva a discussões que respingam nos legislativos, entre profissionais de Saúde e, sobretudo, no Poder Judiciário.
Por um lado, especialistas em áreas diversas demonstram preocupações quanto às estranhezas de comportamento dos que adotam tais brinquedos e os tratam como “filho”. Por outro, há uma defesa do seu uso como fator positivo em determinados casos para o tratamento de problemas psicológicas. Mas a questão tem superado limites, levando a litígios judiciais e a projetos legislativos voltados para o tema.
Dia da ‘cegonha reborn’
Dentre os casos está um projeto aprovado na Câmara Municipal do Rio de Janeiro, na última semana, que instituiu o “dia da cegonha reborn”, marcado para ser comemorado em 4 de setembro. Segundo os vereadores cariocas, o objetivo foi reconhecer o trabalho das artesãs responsáveis por esses bonecos, que apresentam traços reais de bebês.
O vereador que apresentou o projeto, Vitor Hugo (MDB), afirmou que as “cegonhas reborn” terminam sendo profissionais importantes nesse universo. “Elas se utilizam de técnicas para simular traços reais de vida nos bonecos e bonecas, geralmente tendo por base a descrição da idealização de um bebê recém-nascido ou a fotografia de um filho”. De acordo com o parlamentar, isso é “muito especial para quem adquire um deles”.
O vereador frisou que os reborns podem ser usados como “forma de lembrança de um filho pequeno ou de um bebê que não sobreviveu”. E destacou relatos de casos usados como terapia por psicólogos para restabelecimento de lutos e traumas familiares.
Programa de saúde mental
Enquanto os vereadores do Rio de Janeiro querem reverenciar esses bebês, na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), o deputado estadual Rodrigo Amorim (União Brasil) apresentou proposta para que seja instituído um programa de saúde mental específico para pessoas que se consideram pais e mães de bebês reborn.
O texto, em tramitação, estabelece diretrizes para o acolhimento e acompanhamento psicológico desse grupo, incluindo a formação de equipes multidisciplinares com psicólogos, terapeutas e assistentes sociais. Conforme acentuou Amorim, o programa deverá atuar em parceria com organizações da sociedade civil, instituições de ensino e órgãos públicos.
“Tem como foco prevenir casos de depressão, isolamento social e dependência emocional relacionada ao uso dos bonecos, porque isso não é normal”, destacou ele. A proposta também autoriza a coleta de dados e a elaboração de relatórios anuais para subsidiar políticas públicas voltadas ao tema.
Proteção às unidades de saúde
Em Minas Gerais, por sua vez, a preocupação dos parlamentares tem sido sobre o acionamento, por parte dos donos desses brinquedos, de sistemas de saúde pública. O deputado estadual mineiro Cristiano Caporezzo (PL) protocolou na última terça-feira (14/05) um projeto de lei para proibir que donos de bebês reborn levem seus bonecos para receber atendimento em hospitais.
A proposta sugere que o descumprimento da norma resulte em multa equivalente a dez vezes o valor do serviço prestado. Também determina que o montante arrecadado com tais multas seja destinado ao tratamento de pessoas com transtornos mentais. O texto foi elaborado pelo parlamentar depois que a dona de um desses brinquedos chamou a atenção da mídia ao levá-lo até um hospital do estado, afirmando que o boneco “estava com febre”.
Caporezzo citou casos de outros atendimentos médicos solicitados para bonecas reborn e disse que sua proposta leva em conta uma preocupação com o uso de recursos públicos para o que ele qualificou como “devaneios da sociedade contemporânea”.
“Infelizmente, esses devaneios colocam em perigo todo o povo de Minas Gerais e do Brasil em decorrência da distopia generalizada que os reborn estão causando”, explicou.
Litígios judiciais
O deputado mineiro mencionou, ainda, episódios em que a “tutela” de bonecas tem sido alvo de disputas judiciais, em contextos como separações e sucessões.
Esta semana, a advogada Suzana Ferreira, de Goiás, relatou em vídeo publicado nas redes sociais que foi procurada por uma cliente interessada em regulamentar judicialmente a guarda do boneco que havia “adotado” com o ex-companheiro.
A cliente de Suzana, conforme ela contou, teria enfatizado que, devido ao “forte apego emocional”, não considerava a possibilidade de simplesmente substituir a boneca por outra.
Por isso, pretendia conseguir na Justiça que o ex-companheiro arcasse com metade dos custos relacionados à “bebê reborn”, já que havia pago todas as outras despesas com a boneca.
Como começou
Os bonecos reborn (palavra que significa renascer, em inglês) surgiram a partir de 1999, quando foi criado o primeiro deles, pela artista alemã Karola Wegerich. Karola contou que teve a ideia como forma de consolar um amigo próximo que havia perdido um filho bebê.
A partir daí, o brinquedo se popularizou pelo mundo. Primeiro, começou a ser muito usado por corpos de bombeiros, universidades de medicina, cursos de mulheres gestantes e de primeiros socorros em aulas diversas, uma vez que os bonecos simulam a aparência e o peso de um recém-nascido.
Mas o interesse começou a ser comercializado em massa na forma de brinquedos para crianças que pareciam irmãos menores delas. E, depois, para os adultos. Embora ainda não exista uma estimativa de quantos desses bonecos são comprados por ano no total, no Brasil, recentemente a empresária Ana Luiza Dixon, que tem uma fábrica deles em Guaratinguetá (SP) — de porte pequeno — informou que vende cerca de 300 por mês, sob encomendas.
Pequeno detalhe: num país com problemas econômicos generalizados, o valor de um reborn vai de R$ 600 a cerca de R$ 10 mil, dependendo dos produtos usados em sua produção e exigências feitas pelos que os encomendam quanto aos traços de fisionomia que querem que tenham.
Enquanto se discute tese psicológica, psiquiátrica e antropológica sobre o que provocou a busca por esse tipo de boneco e a prática de muitas pessoas de cuidar dele como um filho, longe de meras sugestões, dados estatísticos do Brasil falam por si: Existem, atualmente, mais de 4,8 mil crianças aptas para adoção no país, segundo o Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento — vinculado ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Se a pessoa quiser esquecer essa alternativa e for do tipo que acha que uma criança dá muito trabalho, tem custos grandes e a adoção implica outras questões, dados do Instituto Pet Brasil apontam que, em 2024, existiam nos estados brasileiros um total de 1,4 mil gatos e 177,6 mil cães vivendo em abrigos especializados em encontrar doadores para esses animais. Gosto é gosto. Mas os fatos e números estão aí para reflexão.